Quer saber como escolher uma Organização Social de confiança para fazer sua doação?
A Prof. Maria Cecilia Prates Rodrigues escreveu um artigo para a conceituada Revista Filantropia, destacando questões relevantes para realizar doação às organizações sociais. São orientações pertinentes aos doadores visando criar um verdadeiro impacto na resolução dos sérios problemas sociais que o país enfrenta.
A Prof. Maria Cecília cita, o Instituto Ramacrisna, como organização do padrão “100 Melhores ONGs” do Brasil, premiação organizada pelo Instituto Doar, para estimular nas OSCs a busca pela excelência em gestão, governança, sustentabilidade financeira e transparência.
Maria Cecília Prates Rodrigues é economista e mestre em economia pela UFMG, doutora em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) /Ebape (RJ) e pesquisadora em Planejamento e Avaliação de Projetos Sociais.
Segue abaixo reprodução do conteúdo.
No Brasil a pobreza e as necessidades sociais são enormes, porém ainda são muito grandes as dificuldades, dúvidas, desconhecimento e desconfianças de quem quer doar dinheiro (Como é difícil doar no Brasil!). Como doar da forma mais efetiva possível, isto é, saber que os recursos doados serão aplicados de maneira efetiva e eficiente para gerar os resultados sociais desejados?
Pressupostos
O foco aqui é a doação comprometida das pessoas e das famílias. Não me refiro à doação das empresas.
O foco também é a doação em dinheiro. Vale lembrar que doar dinheiro é (apenas) uma das dimensões da filantropia. Tomando por base a metodologia do World Giving Index (WGI) da organização inglesa Charities Aid Foundation (CAF), há 3 maneiras das pessoas / indivíduos fazerem filantropia: doar dinheiro; doar tempo para alguma organização (trabalho voluntário); ajudar um estranho que precisa de ajuda.
Um outro aspecto importante a destacar é que na doação em dinheiro o foco está apenas no resultado (ou retorno) social a ser alcançado, pressupondo eficiência – ou seja, boa relação custos / resultados gerados. É diferente, pois, do investimento social que, para além do resultado social para os beneficiados, deve prever também retorno econômico para o(s) investidor(es). Assim a doação de dinheiro é uma entrega gratuita, motivada pelo amor ao próximo, sentimento de ajuda e desejo de retribuição do doador(a) às oportunidades que ele (ela) teve gratuitamente em vida – enquanto outras pessoas não tiveram.
Como doar?
O IDIS recomenda 5 passos básicos para quem quer doar, que são:
1 – Decida a(s) causa(s) a ser(em) apoiada(s): Busque identificar quais são as causas mais importantes para você e seus familiares – como, por exemplo: grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade (crianças, adolescentes, idosos), desenvolvimento de territórios, educação, saúde, qualificação para o mercado de trabalho, empreendedorismo da base da pirâmide, recuperação de egressos do sistema presidiário, cultura, esportes, microcrédito, defesa de direitos, condições de moradia.
2 – Defina como apoiar: A colaboração financeira é, geralmente, a principal fonte de sustento das organizações da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos. Além da doação de dinheiro, é possível também a doação bens móveis (novos e usados), imóveis e terrenos, material escolar, alimentos, sangue, órgãos, medicamentos, etc
3 – Conheça a organização: Se já conhece a organização, é preciso saber se ela necessita de apoio na forma em que a pessoa quer prestar. Busque mais informações sobre esta organização com amigos, conhecidos, pela internet e, se possível, vá visitá-la e conhecer de perto o seu trabalho. Caso não conheça nenhuma organização que atue na causa escolhida, entre no Mapa das OSCs (base de dados organizada pelo IPEA, a partir de dados oficiais das OSCs no país) e pesquise, levando em conta causa, localização e outros critérios que julgue relevantes.
4 – Doe: Faça sua doação
5 – Acompanhe os resultados: Procure conhecer os resultados pelos canais de comunicação da organização apoiada: site, mídias sociais, newsletter e relatório anual.
Quando doar?
No Brasil, o que contribui em grande medida para afastar os doadores é a ‘indústria de telemarketing` de algumas OSCs, ainda muito atuante até hoje. As atendentes ligam insistentemente para “pedir ajuda”, a ponto de mais de uma ligação em um mesmo dia. Há de se convir que tal insistência acaba gerando desconfiança e má vontade no trabalho dessas organizações em particular, e até no universo das OSCs em geral.
No fundo, o estímulo para doar vem da convivência com as mazelas sociais que nos rodeiam a todo tempo. Porém o impulso para doar vem da conscientização interior de cada pessoa, impulso esse que precisa ganhar forma e força para poder se concretizar.
O ideal seria que cada pessoa pudesse fazer o seu próprio plano de doação, e se tornar sujeito ativo e comprometido com as suas doações. E não assumir atitude passiva, que doa um “dinheirinho” aqui e ali, apenas quando é solicitado (ou importunado!) e a título de grande favor.
No que se refere à periodicidade, as doações em dinheiro podem ter caráter pontual / emergencial, regular e permanente.
1 – Nas doações em caráter pontual / emergencial, o doador doa quando é solicitado ou sensibilizado por alguma causa, ou tragédia, ou por um sentimento forte de colaborar com pessoas que precisam de ajuda ou projetos sociais que ele considera relevantes. A doação pode ser individual, ou em grupo (a tradicional campanha ou “vaquinha”, que é quando cada um doa um pouco, e o volume total arrecadado para a causa pode chegar a ser grande).
Em termos da doação coletiva se evoluiu bastante no Brasil nesses últimos anos, com o avanço das transferências via ‘QR-Code` nos programas das TVs, e também das plataformas digitais de investimento, do tipo crowdfunding e matchfunding (no caso do matchfunding, a empresa ou organização parceira adiciona (x)R$ para cada R$ 1 que for doado / investido).
2 – Nas doações regulares, o doador se compromete a fazer uma doação financeira todo mês (ou com a periodicidade que ele estabelecer) para a organização(ões) social(is) que ele selecionar. Ou seja, o doador assume o compromisso de colaborar financeiramente com a OSC naquelas datas, como se fosse um “padrinho” ou “sócio benemerente” da organização.
3 – Na doação em caráter permanente, o doador decide doar parte significativa do seu patrimônio para a organização escolhida. Pode ser um terreno, um imóvel, ou um valor financeiro significativo do patrimônio da pessoa – ou fundo patrimonial filantrópico. Pode ser doação feita em vida, ou após a morte (prevista em testamento).
Resumidamente pode-se definir (p.17) um fundo patrimonial como sendo caracterizado pela presença de quatro elementos básicos, que são: (i) a existência de um patrimônio capaz de gerar renda, (ii) não gerido pelo antigo titular-doador, com (iii) o objetivo de perpetuar uma atividade de (iv) interesse social. E, para fins didáticos, podem ser usadas as expressões ‘fundo patrimonial próprio` [em que o fundo é gerido pela própria instituição destinatária dos recursos – Fundação] e ´fundo patrimonial segregado` [ previsto no modelo da Lei 13.800 / 2019, no qual o fundo é gerido por uma organização gestora que o repassa para as organizações apoiadas]
No Brasil, os fundos patrimoniais filantrópicos ainda são muito pouco conhecidos. É uma modalidade de doação que começa a ser adotada no Brasil pelas famílias “muito ricas”, conforme analisei em alguns artigos: Fundos patrimoniais filantrópicos vão mudar a cultura da doação no Brasil? ; Boa notícia: Institutos e fundações familiares desabrochando….; Fundos patrimoniais filantrópicos: questões para debates; Filantropia familiar: experiências inspiradoras.
Para qual organização doar? Os diferentes tipos de OSCs que precisam de apoio
Para o doador, a seleção da organização não é tarefa fácil [ Escolher uma ONG com credibilidade é fácil no Brasil?]. Há diferente tipos de organizações sociais executoras, e o doador pode sentir mais segurança/confiança para doar, desde uma organização de base diretamente envolvida com o trabalho comunitário até uma organização-líder (do tipo guarda-chuva) que congrega várias organizações executoras em diferentes territórios. Assim, para cada decisão, sempre vão surgir questionamentos difíceis.
1 – Doar diretamente para os empreendedores sociais em fase inicial de ideação e implantação de suas organizações, com o objetivo melhorar as condições de vida de pessoas da base da pirâmide. Como se sabe, em organizações “nascentes” a probabilidade do fracasso – e, portanto, as chances do desperdício do recurso doado são sempre maiores do que em organizações sociais já em funcionamento. Podem surgir questionamentos do tipo: qual a garantia de que a organização irá conseguir cumprir a sua missão? E se a idealização da organização social não passar de um projeto de crescimento pessoal do empreendedor?
Dois casos que analisei ilustram as dificuldades para se iniciar uma OSC: Terceiro setor: os 10 requisitos para uma organização começar bem; e Por que uma iniciativa social não deslancha.
2 – Doar diretamente para organizações de base comunitária, dirigidas por lideranças locais, em territórios de alta vulnerabilidade e “historicamente excluídos dos espaços de poder”. Em geral são organizações com alta capilaridade junto às comunidades, porém muitas vezes com funcionamento precário em termos de gestão e acesso à informação. Recentemente conheci os dirigentes de uma associação, que desenvolvem um trabalho “bonito” com famílias e crianças em vulnerabilidade em uma comunidade aqui no Rio de Janeiro. São nitidamente pessoas do bem, muito ativas e dedicadas a ajudar; porém, a organização (que eles coordenam) nem sequer consta no ‘Mapa das OSCs`. Em casos como esse, o doador fica inseguro: será que os recursos serão aplicados com baixa eficiência? Não seria melhor buscar outra alocação para os recursos, que fosse capaz de atender a mais pessoas e de gerar mudanças mais profundas?
3 – Doar diretamente para organizações da sociedade civil (OSCs) que desenvolvem os seus próprios projetos e são bem geridas estruturadas, tais como a Associação Humana Divina Providência, o Instituto Ramacrisna, a Fundação Gol de Letra e a Gastromotiva. São organizações do padrão ‘100 Melhores ONGs` do Brasil, premiação organizada pelo Instituto Doar, em 2013, para estimular nas OSCs a busca pela excelência em gestão, governança, sustentabilidade financeira e transparência. Nesse caso, as indagações do doador são de outra natureza: será que os recursos doados vão fazer alguma diferença para o trabalho dessas organizações maduras, que já têm visibilidade e acesso às parcerias com grandes empresas e o setor público? Não seria mais efetivo doar para uma organização pequena, com um bom trabalho social, e onde a doação pudesse representar uma contribuição mais relevante?
4 – Indiretamente para OSCs líderes, nacionais ou internacionais, que já estão consolidadas e atuam em rede no Brasil todo, por meio de suas organizações comunitárias conveniadas, como por exemplo o ChildFund Brasil. Devo dizer que eu mesma já “apadrinho uma criança do ChildFund” há mais de 30 anos, e venho estimulando outras pessoas a fazerem o mesmo. Porém, mesmo aqui, o doador poderia se questionar se as suas doações não iriam acabar perdendo efetividade nos corredores da infra-estrutura do sistema, ou seja, indo alimentar atividades-meio (que, diga-se de passagem, são também necessárias).
Considerações finais
O quanto (ou o montante que) cada pessoa pode destinar para doação é uma questão que exige uma reflexão pessoal, que leve em conta o patrimônio da pessoa, sua renda mensal, as obrigações e despesas consigo mesma e a família, estágio de vida da pessoa, dentre outros fatores.
Acima busquei levantar algumas questões e indagações relevantes que doadores (indivíduos e/ou famílias ) já vêm se fazendo, de modo a conseguirem ter uma atitude comprometida com a doação. Precisamos, nós doadores e OSCs, encontrar uma estratégia nessa direção!